Cirurgia do Joelho

Lesões do ligamento cruzado anterior

O ligamento cruzado anterior é o principal estabilizador mecânico do joelho. Sua função primária é evitar a translação anterior da tíbia em relação ao fêmur (86%), porém também atua na limitação da rotação interna. Constituído por duas bandas distintas(ântero-medial e póstero-lateral), apresenta comprimento de cerca de 32mm e secção transversa de aproximadamente 44m2. A banda ântero-medial fica tensa com o joelho em flexão (dobrado), enquanto que a póstero-lateral tensiona-se com a articulação em extensão completa (esticado). Ambas se originam na face medial do côndilo femoral lateral e inserem-se na região central do platô tibial. São formadas predominantemente por colágeno tipo I (maior parte) e tipo III, com resistência suficiente para suportar forças de até 2160 Newtons (cerca de 220 quilos).

Embora a lesão do ligamento cruzado anterior seja extremamente comum no nosso meio, ainda não conhecemos a real incidência no Brasil. Nos Estados Unidos ocorrem entre 150000 a 200000 lesões ao longo do ano, com cerca de 100000 reconstruções anuais.

Estudos demonstram que mulheres apresentam risco de lesão quatro a oito vezes maiores em relação aos homens. Isto pode ser explicado por alterações anatômicas comuns no sexo feminino, como por exemplo o estreitamento da fossa intercondilar e o valgismo do joelho. Além disso, a estrutura do ligamento cruzado difere do sexo masculino devido a menor área de secção transversal e menor densidade de fibras de colágeno. Também existe relação com fatores hormonais, sendo mais frequente a ocorrência de rupturas durante as fases pré-ovulatória e ovulatória do ciclo menstrual, período no qual existe aumento dos níveis sanguíneos de estrógeno.

Na maioria das vezes a lesão do ligamento cruzado anterior ocorre durante prática esportiva (futebol, basquete, handebol). Normalmente em situações que envolvam entorse do joelho, sendo possível até ouvir o “estalo” do ligamento rompendo-se. Após, desenvolve-se inchaço e dor importantes que levam algumas semanas para melhorar. Porém, ao tentar retornar a prática esportiva, ou até mesmo caminhando, ocorrem episódios de falseio articular, que muitos descrevem como uma sensação de o joelho ter “saído do lugar”. Este é o sintoma mais comum após a ruptura completa do ligamento cruzado anterior. Pode tornar-se tão frequente a ponto de impossibilitar até mesmo as tarefas mais corriqueiras do dia-a-dia como caminhar.

Lesão do ligamento cruzado anterior

No exame físico observa-se instabilidade anterior do joelho através de testes específicos. A ressonância magnética é o exame de imagem com maior sensibilidade para o diagnóstico (85-95%), além de auxiliar na detecção de outras lesões associadas comuns (meniscos, cartilagem articular e outros ligamentos).

Uma vez lesionado o ligamento cruzado anterior não cicatriza. Com o passar dos anos, a falta de estabilidade articular, provocada pela ruptura, ocasiona lesões no tecido condral e nos meniscos. Sabemos que, caso não seja adequadamente tratado, após cinco a dez anos da lesão inicial já existiram danos irreparáveis à cartilagem articular, desenvolvendo-se a patologia denominada osteoartrose. Esta situação é extremamente incapacitante pois cursa com dores crônicas e deformidades angulares graves.

Atualmente o tratamento ideal consiste na reconstrução ligamentar através de técnicas cirúrgicas minimamente invasivas (videoartroscopia). Como o ligamento cruzado anterior não cicatriza, necessitamos utilizar algum tipo de enxerto para reconstruí-lo. Este pode ser autólogo(do próprio paciente), homólogo (de cadáver) ou sintético.

Na maioria das vezes utilizamos enxertos autólogos devido a facilidade de obtenção, melhores taxas de incorporação e menores índices de complicações. Dentre eles dispomos das seguintes opções:

  • Tendão patelar: apresenta resistência semelhante ao ligamento cruzado anterior nativo, inclusive com carga de falha superior (2977N). A principal vantagem deste tipo de enxerto é a rápida incorporação (6 semanas aproximadamente), já que é composto por tecido ósseo nas extremidades. Entretanto, poderá ocorrer tendinite crônica no período pós-operatório, dificuldade para ajoelhar, além de possibilidade de ruptura do tendão patelar e perda de cerca de 20% da força de extensão do joelho. Já foi a opção mais utilizada, porém vem perdendo espaço devido as desvantagens já citadas.
  • Tendões flexores do joelho (semitendíneo e grácil): através de técnicas apropriadas de preparo podemos obter um enxerto quádruplo ou quintúplo, atingindo resistência de até 4600 Newtons. A principal vantagem consiste na redução da dor no pós-operatório precoce devido a menor morbidade do sítio doador. Entretanto, a incorporação é mais lenta em relação ao enxerto do tendão patelar. Apesar destas diferenças, os resultados a longo prazo são semelhantes ao primeiro.Importante obter um diâmetro mínimo para minimizar o risco de falha precoce do enxerto.
  • Tendão quadriciptal: nos últimos anos a utilização deste tipo de enxerto vem ganhando mais espaço. Apresenta resistência semelhante aos demais e consiste em boa opção em casos de revisões (pacientes com cirurgias prévias).
Opções de enxertos autólogos: A. Tendões flexores B. Tendão Patelar C. Tendão quadriciptal.

A utilização dos enxertos homólogos poupa o paciente do procedimento de retirada de enxerto. Desta forma, é possível a realização de reconstruções simples ou múltiplas com pequenas incisões e com menor tempo cirúrgico. Entretanto, o custo é elevado e o acesso ainda é limitado no Brasil. Além disso, a literatura demonstra que este tipo de enxerto apresenta incorporação mais lenta, maiores índices de rer rutura e risco elevado de infecção.

Reconstrução do ligamento cruzado anterior com enxerto de flexores e fixação com parafusos de interferência.
Reconstrução do ligamento cruzado anterior com enxerto de flexores e fixação com endobotton e parafuso de interferência.

Com auxílio da videoartroscopia são confeccionados túneis ósseos nos locais exatos das inserções do ligamento cruzado anterior. Estas perfurações podem ser realizadas de fora para dentro ou de dentro para fora da articulação, dependendo da preferência do cirurgião. Após, o enxerto é passado através dos túneis e fixado no fêmur e na tíbia. Esta fixação pode ser realizada com parafusos de interferência (absorvíveis ou metálicos) ou por dispositivos denominados endobottons.

A recuperação pós-operatória transcorre de maneira criteriosa e progressiva e tem duração média de 6-8 meses, período este que varia individualmente. As técnicas atuais de fixação do enxerto permitem a marcha com apoio total precoce (sem muletas) e a mobilização articular completa já nos primeiros dias de pós-operatório. Desta forma, não utilizamos imobilizadores articulares e as muletas são indicadas apenas nos primeiros dias de pós-operatório.

Tão importante quanto a reconstrução cirúrgica do ligamento cruzado anterior será a reabilitação fisioterápica. Nas primeiras fases, as prioridades são: alívio da dor, proteção da articulação e ganho de movimento do joelho. A colaboração do paciente é sempre muito importante. Progressivamente o tratamento fisioterápico é intensificado com exercícios para reforço muscular e propriocepção e então o paciente é liberado para corrida e fortalecimento muscular sem restrições (academia). Somente com aproximadamente 6-8 meses de pós-operatório autoriza-se o retorno ao esporte desde que a evolução clínica seja satisfatória.

Agende agora mesmo uma consulta